quinta-feira, janeiro 10, 2013

Lembro Exatamente Porque

Ele agora está na sacada, olhando a cidade, tentando pegar algum recado no celular, querendo marcar alguma coisa com algum amigo, fala alto, os carros buzinam e se xingam lá embaixo, talvez ele deseje mais do que tudo se virar e não me ver mais ali. A vida idiota voltou. Sua enorme sala inteira chora, todas as plantas, todas as luzes apagadas, todos os CDs empilhados, os cantos, o teto, o chão, o ar. Os feixes de luz da cidade entram como espada pela janela e guilhotinam qualquer razão, todo mundo está deitado e decapitado comigo. Todos estão sujos, todos estão ultrapassados e velhos, todos choram a intenção de amor que nunca dura. A exploração do meu corpo me dá uma sensação mundana de morte pobre e simples, nada de espiritual e eterno ronda minha alma neste momento. Seus restos grudam em mim como tudo de ruim que gruda na nossa memória e nos faz viver cheios de medos e traumas. Ele me observa frio e concluído da sacada, não se preocupa com o meu frio, com o vazio gigante que me toma novamente e me deixa assim, palidamente assustada. Ele anda mais completo, mais solitariamente feliz, mais homem. Eu me enrolo na manta, corro para o chuveiro e deixo a água quente me dizer que tudo bem: não é a primeira vez que você se sente tão perdida. Antes de chegar à minha casa vejo que ele deixou dois chocolatinhos na minha bolsa, arremesso um deles com ódio na rua, o outro eu como, afinal, é sempre com a metade de tudo que eu fico porque ninguém nessa vida consegue se dar e ser por inteiro. Agora me lembro porque deixei de amar, lembro exatamente porque deixei de amar todo mundo. Lembro que mais uma vez deixei de me amar.

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